sábado, 29 de outubro de 2011

Fragmentos de Fabi Anselmo, dizendo por mim e pra mim.
 
Carta a quem quero longe. 

Pois bem, na rotidão da minha filosofia engatiante, penso que amor não pode ser coisa que dói. Você dirá que nascer dói e depois disso, viver é um doer fragmentado, escalonado com pequenas pausas para um suco de papoila, que nos é servido só pra amenar, só pra não desesperar, só pra gente não enlouquecer da dor imensa que é o existir. Objeção, querido! Se a gente insiste tanto e tanto em ser feliz é porque ser feliz é o nosso destino, apesar dos atalhos, apesar dos tropeços, apesar de você... ser feliz é para onde aponta a nossa bússola de dentro. Como você pode ver eu bandeei pro lado oposto ao teu, faço agora parte de outra corrente doutrinária a que se opõe categoricamente a qualquer corrente da qual você declare simpatia e já não quero mais nenhuma roleta russa de sentimentos, quero dobrar meu indicador sabendo se tem ou não munição, do contrário, não o dobro. Meu coração será um eterno desarmado, mas minhas mãos já não. Trago agora armaduras, que só uso pra defesa, você sabe, não suporto guerras, não suporto desumanidades, só não quero ser alvo fácil e não quero mais errar os meus. Há tempos preparo-me pra doer menos e já fui até o esgoto mais fétido pra conseguir adaptar-me. Tornei-me puta, querido! Troco o que sinto pelo favorecimento de não ser machucada. E digo isso num estufar de peitos e patinando numa coragem que te deixaria com as pupilas beirando a total escuridão. Mas, não é de escuridão que te falo, é de luz. Porque desapego é libertador não, é? Acho que quanto a isso concordamos. E é isso que quero te dizer: sou agora uma educanda do desapego, sabe como? Feito monges Budistas e Hare Krishnas, eu tenho praticado o desapego e visa o doer menos. Será que você está me acompanhando? Pus meu coração numa cruz e esperei ele sangrar inteiro, sangrou o suficiente pra hoje ser um tanto menos bobo e ridículo, outro tanto bem menos sensível. Soberba, você vai dizer, mas que seja! Talvez diga que na verdade, sou educanda do desprezo primo este, muito próximo do desapego. E talvez você tente me ensinar que o desprezo é terreno impróprio pra delicadeza dos meus pés e o mal de toda a humanidade. Eu sei, sob este prisma, desprezo é uma ferida que alimento por pura maldade, por não achá-la merecedora da graça analgésica que é o esquecer. Antecedem o meu desprezo, o repúdio e o desinteresse em querer mudar. Este desprezo brota da total ausência de amor o que por si só já é assombroso, mas faço questão de acrescer indiferença. E quanto juntamos estes ingredientes tenho certeza que os anjos choram, porque em jardim que brota desprezo não brota nada que valha uma respiração. O desprezo é o mal do século, deveria ter escrito o Renato. Embora, cada um saiba a dor e a delícia de praticar o desprezo, deveria ter escrito Caetano. E é com a mesma propriedade que te digo: não me cubro totalmente com estas vestes, porque não me caem bem, já o desapego combina muito bem com a inflamação da ponta dos meus dedos que tocaram demasiadamente, sentiram demasiadamente e machucaram-se pra bem depois do sofrimento. E acho até que estou indo bem. Ontem mesmo chorei com aquela campanha publicitária que diz: “Há razões para acreditar, os bons são maioria”, você não viu, acho, e tomara que não veja porque você faria desdém por conta do apelo comercial e eu... Ah! Eu achei a coisa mais linda de todos os tempos e a esperança mesmo que à venda numa prateleira é coisa que eu compro e deixo troco. É produto que eu compro sem ler o rótulo e mesmo que não me sirva, eu agradeço por ela existir. Lembra da nossa discussão a respeito? Bom, isso não importa agora! O que quero mostrar é que meu coração não ficou tempo suficiente na cruz para perder a esperança! Porque é no acreditar que existem doutrinas que contrapõem tuas teorias, no acreditar que o doer não é aquilo para o qual fomos destinados, que assento a minha vida. O resto, é só um réquiem pra um amor que me deixou em feridas, tão brega quanto qualquer carta de amor e tão cheio de vexames como qualquer desamor, mas eu ainda acredito nos bons e num bom que achará graça e beleza na puta que hoje sou.

[Fabi Anselmo]

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